sábado, 30 de outubro de 2010

Café com leite

(detalhe que nao faz parte do texto: nao existe o til aqui no teclado espanhol, nao achei ainda.)


Com a tela em frente

Me pergunto

Me atento

O que faz, JuE alí virtualmente?


Nao sei fazer repente

Nem faço rima decentemente

Mais figura que linguagem

Menos terra mais pastagem


Ai que feliz o dia

Em que a pedagogia

Me convencia e insistia

Também brinca quem nao sabe brincar


Mas o que eu nao sabia

É que essa tal de poesia

Me iludia e me fazia

Só umas palavrinhas ajuntar


Ai que comixao,

Que dor no baço

Um enchaço no meu traço

É melhor, vou apagar


Faz isso nao,

Descance e deite

Depois no traço

Bota um enfeite

E agora lembre bem

O que é ser café com leite.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

semifinal

Algumas coisas permanecem latentes grudadas na realidade diária. Sem concretude, ficam afeitas por desejos extintos.
Um absurdo nada racional.

Eu nunca esqueci o formato do seu corpo nas minhas mãos. O cheiro do nosso sexo, abusado, clandestino.
O acaso não fez o favor de tirar essa lembrança das minhas buscas em outros. Dia sim, dia não. Sim. Não. Comprovo a gravidade da minha situação. "Sem solução". Você tornou-se um problema intransponível.
Agora, só leio histórias de desamor. Tateio nas conjugações dos verbos outros tempos para o meu português gasto. Anseio por literaturas que me libertem do adeus esquecido na cabana daquela praia deserta do nosso namoro de outono.
Tento triunfar perante as horas que não passam. Dia a dia. Dia-a-dia. Passado, futuro.
Ouço jazz, choro blues.
Grito silenciosamente palavras de baixo calão, desqualifico 'nós dois'.
E toda a ausência sua dói mais um pouco, porque não é saudade. Dia a dia. Dia após dia.
Oras! O que mais poderia querer, se não te amo mais.


cena do filme brasileiro "Como esquecer"


terça-feira, 26 de outubro de 2010

Hala 30

Julio Canas Gonzales estava cumpleando 30 años. Destes, 2 aprendendo a andar; 3 aprendendo a falar; 4 aprendendo a ler-escrever-realizar-as-quatro-operações; e 10 anos aprendendo a ser maduro, profissional, bom de cama e além de tudo ecologicamente consciente, claro. Tinha uma lembrança vaga do segundo ano de vida: apanhou da professora do primário porque espiou alguma outra criança por baixo da porta do banheiro. 22 anos mais tarde saberia que na mesma sala estava o amor verdadeiro. Ela não soube.

30 anos aprendendo a ser humano. Mas o mundo não deixa. Pra que ser gente, se nos tratam como cachorros? Pensou em espanhol no fundo da sua oficina mecânica em Praha 7, a 8536 km de Havana. Numa cidade onde os bairros tem números e os apartamentos tem nomes a gente nunca sabe onde vai parar, e foi assim que Julio se encontrava, como eu, numa garagem de uma construção semi-demolida no subúrbio da capital da República Tcheca, ao lado de uma sala de ensaio e um depósito de chá.

Se você procura por endereços que não estão onde deveriam estar, pode acabar encontrando pessoas que sabem mais de você do que você mesmo. Sabem, por exemplo, onde você está agora, e você não. Assim eu conhecia Julio e ele a mim. Em Cuba os chás e as peças de carro raramente estão no mesmo lugar. Nem os chás e teatros, ele ria. Ria sem saber o que fazer dos seus 30 anos, do outro lado do mundo. É que quando não se tem nada a perder, é hora de se perder por aí. “A gente só não perde as sensações. Só se puser no papel.” - que voou com o vento, pra longe da oficina.

Julio, ele não sabia, encontrava tudo. Os defeitos nos carros dos tchecos, as lojas de comida, encontrava parafusos na neve de inverno. Teria encontrado o amor não fosse por aquela menina distraída. Encontrou emprego, encontrou amigos, encontrou o próximo no estrangeiro.

Existe uma folha de rascunho perdida em Hala 30, num endereço que eu nunca encontrei.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

em poucas palavras ou um pé de palavra


Eu faço feira aos domingos pra ouvir a conversa das tias junto aos comerciantes do povo, que vendem cores de frutas e poesias frescas para o dia-a-dia.

E então, ando pelas bancas enfileiradas e nunca esqueço de pedir: por favor, um pé de palavra pra mim!

Depois, me lambuzo com a sensação de palavra usuária de todos os meus sentidos.

Palavra doce ou amarga, palavra silenciosa ou desafinada. Não existe uma palavra ruim.

Todas carregam um porquê ou uma descoberta para além de mim.

E neste blog Pé De PaLaVrA coletivo, habitado por palavras amigas, palavras tortas, palavras e mais palavras, já vejo uma horticultura... ou um jardim?

Quem dá mais? quem dá mais? Tem uma palavra fesquinha aí pra mim?