terça-feira, 26 de outubro de 2010

Hala 30

Julio Canas Gonzales estava cumpleando 30 años. Destes, 2 aprendendo a andar; 3 aprendendo a falar; 4 aprendendo a ler-escrever-realizar-as-quatro-operações; e 10 anos aprendendo a ser maduro, profissional, bom de cama e além de tudo ecologicamente consciente, claro. Tinha uma lembrança vaga do segundo ano de vida: apanhou da professora do primário porque espiou alguma outra criança por baixo da porta do banheiro. 22 anos mais tarde saberia que na mesma sala estava o amor verdadeiro. Ela não soube.

30 anos aprendendo a ser humano. Mas o mundo não deixa. Pra que ser gente, se nos tratam como cachorros? Pensou em espanhol no fundo da sua oficina mecânica em Praha 7, a 8536 km de Havana. Numa cidade onde os bairros tem números e os apartamentos tem nomes a gente nunca sabe onde vai parar, e foi assim que Julio se encontrava, como eu, numa garagem de uma construção semi-demolida no subúrbio da capital da República Tcheca, ao lado de uma sala de ensaio e um depósito de chá.

Se você procura por endereços que não estão onde deveriam estar, pode acabar encontrando pessoas que sabem mais de você do que você mesmo. Sabem, por exemplo, onde você está agora, e você não. Assim eu conhecia Julio e ele a mim. Em Cuba os chás e as peças de carro raramente estão no mesmo lugar. Nem os chás e teatros, ele ria. Ria sem saber o que fazer dos seus 30 anos, do outro lado do mundo. É que quando não se tem nada a perder, é hora de se perder por aí. “A gente só não perde as sensações. Só se puser no papel.” - que voou com o vento, pra longe da oficina.

Julio, ele não sabia, encontrava tudo. Os defeitos nos carros dos tchecos, as lojas de comida, encontrava parafusos na neve de inverno. Teria encontrado o amor não fosse por aquela menina distraída. Encontrou emprego, encontrou amigos, encontrou o próximo no estrangeiro.

Existe uma folha de rascunho perdida em Hala 30, num endereço que eu nunca encontrei.

Um comentário:

  1. Engraçado ler pela primeira vez as palavras das pessoas que estão próximas - nem tanto, claro, porque ela é amiga do meu amigo e mora longe de mim - mas, ainda assim, como já sei um pouco dos trejeitos da Caju e vê-los, de alguma forma, nas entrelinhas deste continho, me fez pensar como deve ser você cultivando palavras de pé no seu jardim.

    Deu vontade de ficar proseando com as ideias do texto. Vontade de ir looonge e ficar semeando sonhos.

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