domingo, 17 de abril de 2011

Coincidências não existem

O que existe sou eu agora em Goncourt, Paris. Existe você agora lendo esse texto. Existe um amigo querido na Ásia, descendo de barco um rio no Mekong.
Aqui na França saio do trabalho num restaurante. Driblo turistas pra chegar até a livraria e comprar postais em branco, um estojo de aquarelas e um livro em francês, pra ver se a evolução da escrita acompanha a da linguagem oral. Compro um livro usado, famoso, mas que eu nunca tinha ouvido falar. A historia, autobiográfica, é sobre uma menina francesa que pega um barco num rio no Mekong. O livro ganhou o prêmio Goncourt de literatura.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

sábado, 11 de dezembro de 2010

to sem acento

os quartos sao os mesmos, mas agora sao tres lugares estranhos dentro da nossa casa. as vozes tambem nao sao mais as mesmas, mas eu escuto as velhas risadas vindo da sala. nao reconheco os cheiros, mas ainda bem, voces esqueceram aquele xampu no banheiro. eu nao percebi se acabou, ou se recomecou. eu nao sinto saudade ainda, eu nao sinto o fim, eu nao sinto falta. so sinto o vazio, e as pulgas pulando nos meus pes. agora sao elas que fazem a festa. porque hoje a gente nao volta junto pra casa...

domingo, 5 de dezembro de 2010

é sempre bom ler uma poesia antes de dormir

É sempre bom ler uma poesia antes de dormir

Nestes tempos novos

Nada de histórias

Rezas, pedidos

Diante do travesseiro

É bom ler uma poesia

Pra acalmar o pensamento que não vai querer descansar


É do pensamento

A ânsia de ver nascer o dia

Ter tudo a seu alcance

Falar o verbo correto

Tirar da poeira as palavras escusas

Deixa entrar a luz em tudo


Se depender do pensamento

Não se dorme

É a conta, o horário, os segundos para atravessar-a-rua, não-perder-o-ônibus, chegar-cedo-no-trabalho, almoçar-rápido-no-horário, pagar-o-aluguel-no-banco, chegar-só-dez-minutos-atrasado-no-curso-de-alemão

Pensamento não deixa vir a escuridão do sono da cabeça

Não deixa vir a poesia que brota

Por isso: é sempre bom ler uma poesia antes de dormir

A poesia apaga a luz do pensamento

Faz a cabeça ficar escura

Como numa sala de cinema

Pronta pra projetar os sonhos e pesadelos escondidos na penumbra do sono

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(jue - 2009)

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

uma poesia, por favor

Os poetas deveriam ter um tipo de recompensa para sobreviver. Algum subsídio do governo, por exemplo.
Logo que se vê vocação de poeta em alguém, a sociedade inteira deveria reverenciá-los e oferecer oportunidades para isso aflorar.
"Livros de poesias não vendem", dizem os mais sabidos e conhecedores de mercado livreiro.
E eu penso que poesia não vende porque não é mercadoria, parafraseando uma amiga.
Ser poeta é dar chance ao olhar que grita um socorro através da linguagem verbal. Forçar uma língua a expressar-se é a melhor maneira de entender o quanto ser humano pode abrigar desafios e armadilhas instigantes.
Poetas buscam retorcer aquilo que todos vêem - e temem ou não conseguem dizer - até extrair a beleza ou feiúra do mundo ao redor.
A linguagem poética pode salvar uma vida. Clichê assim. Gosto dos clichês pontuais. É senso comum mas, não banaliza uma verdade "popular", que às vezes está embaixo dos nossos olhos e esquecemos de reparar.
Por isso, digo: há cura na poesia, placebo revigorante.
Não sei o que seria da minha estante sem as palavras deles.
Salvem os poetas!


Biblioteca londrina bombardeada em 1940*

*Não encontrei os créditos da imagem - autor e sua biografia.

sábado, 30 de outubro de 2010

Café com leite

(detalhe que nao faz parte do texto: nao existe o til aqui no teclado espanhol, nao achei ainda.)


Com a tela em frente

Me pergunto

Me atento

O que faz, JuE alí virtualmente?


Nao sei fazer repente

Nem faço rima decentemente

Mais figura que linguagem

Menos terra mais pastagem


Ai que feliz o dia

Em que a pedagogia

Me convencia e insistia

Também brinca quem nao sabe brincar


Mas o que eu nao sabia

É que essa tal de poesia

Me iludia e me fazia

Só umas palavrinhas ajuntar


Ai que comixao,

Que dor no baço

Um enchaço no meu traço

É melhor, vou apagar


Faz isso nao,

Descance e deite

Depois no traço

Bota um enfeite

E agora lembre bem

O que é ser café com leite.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

semifinal

Algumas coisas permanecem latentes grudadas na realidade diária. Sem concretude, ficam afeitas por desejos extintos.
Um absurdo nada racional.

Eu nunca esqueci o formato do seu corpo nas minhas mãos. O cheiro do nosso sexo, abusado, clandestino.
O acaso não fez o favor de tirar essa lembrança das minhas buscas em outros. Dia sim, dia não. Sim. Não. Comprovo a gravidade da minha situação. "Sem solução". Você tornou-se um problema intransponível.
Agora, só leio histórias de desamor. Tateio nas conjugações dos verbos outros tempos para o meu português gasto. Anseio por literaturas que me libertem do adeus esquecido na cabana daquela praia deserta do nosso namoro de outono.
Tento triunfar perante as horas que não passam. Dia a dia. Dia-a-dia. Passado, futuro.
Ouço jazz, choro blues.
Grito silenciosamente palavras de baixo calão, desqualifico 'nós dois'.
E toda a ausência sua dói mais um pouco, porque não é saudade. Dia a dia. Dia após dia.
Oras! O que mais poderia querer, se não te amo mais.


cena do filme brasileiro "Como esquecer"


terça-feira, 26 de outubro de 2010

Hala 30

Julio Canas Gonzales estava cumpleando 30 años. Destes, 2 aprendendo a andar; 3 aprendendo a falar; 4 aprendendo a ler-escrever-realizar-as-quatro-operações; e 10 anos aprendendo a ser maduro, profissional, bom de cama e além de tudo ecologicamente consciente, claro. Tinha uma lembrança vaga do segundo ano de vida: apanhou da professora do primário porque espiou alguma outra criança por baixo da porta do banheiro. 22 anos mais tarde saberia que na mesma sala estava o amor verdadeiro. Ela não soube.

30 anos aprendendo a ser humano. Mas o mundo não deixa. Pra que ser gente, se nos tratam como cachorros? Pensou em espanhol no fundo da sua oficina mecânica em Praha 7, a 8536 km de Havana. Numa cidade onde os bairros tem números e os apartamentos tem nomes a gente nunca sabe onde vai parar, e foi assim que Julio se encontrava, como eu, numa garagem de uma construção semi-demolida no subúrbio da capital da República Tcheca, ao lado de uma sala de ensaio e um depósito de chá.

Se você procura por endereços que não estão onde deveriam estar, pode acabar encontrando pessoas que sabem mais de você do que você mesmo. Sabem, por exemplo, onde você está agora, e você não. Assim eu conhecia Julio e ele a mim. Em Cuba os chás e as peças de carro raramente estão no mesmo lugar. Nem os chás e teatros, ele ria. Ria sem saber o que fazer dos seus 30 anos, do outro lado do mundo. É que quando não se tem nada a perder, é hora de se perder por aí. “A gente só não perde as sensações. Só se puser no papel.” - que voou com o vento, pra longe da oficina.

Julio, ele não sabia, encontrava tudo. Os defeitos nos carros dos tchecos, as lojas de comida, encontrava parafusos na neve de inverno. Teria encontrado o amor não fosse por aquela menina distraída. Encontrou emprego, encontrou amigos, encontrou o próximo no estrangeiro.

Existe uma folha de rascunho perdida em Hala 30, num endereço que eu nunca encontrei.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

em poucas palavras ou um pé de palavra


Eu faço feira aos domingos pra ouvir a conversa das tias junto aos comerciantes do povo, que vendem cores de frutas e poesias frescas para o dia-a-dia.

E então, ando pelas bancas enfileiradas e nunca esqueço de pedir: por favor, um pé de palavra pra mim!

Depois, me lambuzo com a sensação de palavra usuária de todos os meus sentidos.

Palavra doce ou amarga, palavra silenciosa ou desafinada. Não existe uma palavra ruim.

Todas carregam um porquê ou uma descoberta para além de mim.

E neste blog Pé De PaLaVrA coletivo, habitado por palavras amigas, palavras tortas, palavras e mais palavras, já vejo uma horticultura... ou um jardim?

Quem dá mais? quem dá mais? Tem uma palavra fesquinha aí pra mim?